Um filme de Fenyang

A exibição de Mountains may depart, novo filme de Jia Zhangke, ocasionou a primeira reação de entusiasmo em Cannes, tanto na projeção para críticos e jornalistas quanto na sessão de gala para o público do festival. O longa se destaca por imagens de um prolongado tempo interno, nas quais os personagens entram e saem de quadro, desaparecem e são reencontrados pela câmera ou se convertem em presença que se revela apenas pelo som.

Sonhos e pesadelos

Se aceitarmos a hipótese de gostar de um filme sem exatamente compreender o que ele nos fala, por falta de conhecimento da cultura que inspirou sua invenção, chegamos perto da sensação provocada por Cemitério do esplendor, de Apichatpong Weerasethakul, exibido em Cannes na mostra Un certain regard. Nele, estamos na fronteira entre os vivos e os mortos, entre o que percebemos nos sonhos e o que vemos quando despertos.

Duas vezes Agamben: preferia não

No entrelaçamento entre política e ativismo nas redes sociais, muitos de nós experimentamos o desconforto de ser interpelados por discursos de ódio e incontáveis debates vazios de conteúdo que brotam da crise da legitimidade de discursos. Diante dos debates vazios de conteúdo ou argumentos, da mera disseminação de ódio e preconceito, o “preferia não” ainda é a melhor resposta. 

Cimento, papel e cinza

Ao perdermos Ivens Machado, perdemos também esse precioso e cada vez mais raro modo de “ver com olhos livres” que provinha de uma relação vital com a potência das formas e com a beleza do informe. Dessa relação advinha sua arte, que em vários momentos lembra, no misto de rudeza e graça, certas manifestações pré-históricas. Dito de modo mais vulgar, Ivens “tinha olho”. Parece pouca coisa, mas é algo que infelizmente falta a grande parte de nossos jovens artistas e críticos.

O boxeador, um instante antes do nocaute

O desemprego é questão central em A lei do mercado, filme de Stéphane Brizé que acaba de estrear em Cannes. O filme joga com um duplo significado para seu título. Na primeira parte, refere-se “aos mecanismos de enriquecimento de nossa sociedade”. Na segunda parte, ao novo emprego do protagonista: seu trabalho num supermercado consiste em vigiar clientes e os demais empregados e aplicar a lei do mercado aos infratores.

F for Fake (ou for Film?)

Dois filmes em Cannes estabelecem um curioso diálogo: Carol, de Todd Haynese Mia madre, de Nanni Moretti. Em Carol, o diretor procura ser verdadeiro por meio de uma imagem fake. A certa altura de Mia madre, um personagem grita que no cinema é tudo fake, que é um ator mas não suporta mais viver num espaço falso, quer ser levado de volta à realidade.

A real dimensão do pequeno, o pequeno alcance do muito grande

José Carlos Avellar continua a sua cobertura do festival de Cannes, desta vez comentando os filmes de Gus van Sant, The sea of trees, e de Philippe Garrel, L’ombre des femmes. O primeiro é uma narração mais perto da tradição formada nas ideias de alta definição e de alto espetáculo. O segundo está mais próximo de um gesto essencialmente cinematográfico, embora de aparência simples, despretensiosa, de um relato cotidiano. 

Lima Barreto e a Missa Campal

A Lei Áurea, assinada em 1888 e garantindo o fim da escravidão no Brasil, foi celebrada com uma Missa Campal com a presença da Princesa Isabel. Recentemente, a Brasiliana Fotográfica analisou fotografia clássica do evento e descobriu a presença de Machado de Assis na imagem.

Machado não foi o único grande escritor a estar presente naquele dia. Lima Barreto também foi, com 7 anos. Em 1911, ele escreveu uma crônica sobre o momento histórico. O Blog do IMS republica o texto.

Japão, Ucrânia, compaixão, brutalidade

Dois filmes vindos do leste – um do Japão, outro da Ucrânia – inundam as telas brasileiras com a dor humana. Ambos são de diretores estreantes e foram premiados em importantes festivais internacionais. E as coincidências param por aí. Não poderia haver dois filmes mais contrastantes que O desejo da minha alma, de Masakazu Sugita, e A gangue, de Miroslav Slaboshpitsky.

Duas (suaves) doçuras do Japão

Acompanhando em Cannes o mais importante dos festivais de cinema, José Carlos Avellar comenta o polêmico e violento filme de abertura, Cabeça erguida, de Emmanuelle Bercot, sobre raiva adolescente, e dois filmes japoneses, os novos de Kore-eda e Kawase, cuja doçura contrasta com a violência do longa francês.