Desde muito jovem, a paulistana Lygia Fagundes Telles tinha uma certeza: queria ser escritora. O que talvez não pudesse imaginar era que, em 2016, aos 92 anos de idade, a União Brasileira dos Escritores (UBE) a indicasse para o Prêmio Nobel de Literatura, o que não deixa de ser digno de nota.
Quando tinha apenas 18 anos, e linda como permaneceria na maturidade, Lygia, em carta a Erico Verissimo, narrou o episódio em que um editor, antes mesmo de ler os originais do seu livro de contos inéditos, insistiu petulantemente na ideia de que uma fotografia dela deveria estampar a capa do livro, ao que Lygia respondeu: “Minha cara nada tem a ver com a obra”. Não perdeu a chance de sugerir que o editor colocasse “o retrato da avó dele”. O episódio lhe custou a postergação do lançamento de Praia viva, publicado três anos depois do incidente.
No mesmo período, Lygia Fagundes Telles ingressou na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, quando a carreira de advocacia era, ainda, considerada exclusivamente masculina. A autora diz em entrevista à Revista Brasileira de Psicanálise: “Éramos cinco ou seis mocinhas na turma de quase duzentos rapazes que nos perguntavam com irônico espanto, ‘Mas o que vocês vieram fazer aqui? Casar?’. No mesmo tom bem-humorado eu respondi: ‘Casar também, por que não?’. Nessa época eu já escrevia os meus contos, outro ofício considerado masculino”.
Sua postura firme se nota igualmente quando da adesão a movimentos políticos de meados do século 20, como a Marcha contra o Estado Novo e a Passeata dos Cem Mil. Na década de 1970, junto a um grupo de intelectuais que se punham contra a censura, vai pessoalmente a Brasília entregar o Manifesto dos Cem mil.
Sem nunca abandonar questões da mulher na (e da) sociedade, Lygia Fagundes Telles escreveu quase vinte livros. Dentre os quais, destacam-se seu primeiro romance, Ciranda de pedra (1954), que, segundo Antonio Candido, é um marco da maturidade intelectual da autora e seria adaptado para novela homônima na década de 1980; Antes do baile verde (1970), livro de contos ganhador do Grande Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros na França; e o romance As meninas (1973), laureado com os prêmios Coelho Neto e Jabuti, e adaptado para o cinema em 1996. Neste livro, aliás, a autora manifesta-se abertamente contra a ditadura militar.
Por 32 votos a 7, Lygia foi, em 1985, a terceira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras, onde ocupa, até hoje, a cadeira de número 16.
O acervo da autora, que chegou ao Instituto Moreira Salles em 2004, tem uma biblioteca com mais de mil livros e material de produção intelectual (entre contos e adaptações), além de cartas, vasto material de recortes de jornais e de revistas, fotografias e cinco desenhos de autoria de Carlos Drummond de Andrade. O IMS guarda ainda sua máquina de escrever.