Casa grande é um filme amplo, cheio de subdivisões, detalhes, esconderijos, portas, janelas e desvãos – exatamente como o edifício da elite carioca que lhe serve de título. É com uma observação arguta dos detalhes que se desenvolve o primeiro longa-metragem de ficção de Fellipe Barbosa, que tem sido comparado pela imprensa estrangeira a O som ao redor.
Tião, amanhã
Abril de 1981: nos cinemas, lado a lado, Eu te amo, filme recém concluído, e Iracema, uma transa amazônica, realizado sete anos antes, mas só então liberado pela censura. Desse encontro não planejado entre Paulo, o industrial de Arnaldo Jabor, e Tião, o caminhoneiro de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, resulta algo entre uma conversa ao telefone, uma conversa de botequim e um monólogo interior: num presente suspenso no tempo, o passado fala com o futuro.
“Pra que cantar canções que nunca vão te ouvir?”
Passei as últimas semanas ouvindo o novo disco de Sufjan Stevens, Carrie & Lowell. Não sei mais o que fazer com tanta tristeza. O milagre do pop é transformar as maiores platitudes em revelações. Nesse disco, não há concessão artística nem apetrechos; Stevens corta no osso. A voz, o banjo e o piano servem apenas para depurar e simplificar, para dizer o que deve ser dito, por mais herméticas que possam ser as palavras.
David Drew Zingg: imagem sobre imagem
Entra em cartaz neste 14 de abril a exposição David Drew Zingg: imagem sobre imagem. O fotógrafo chegou ao Brasil quando o país passava por transformações profundas e participou da criação do novo imaginário da cultura de massa local. Entre os modernos ensaios de moda e trabalhos comissionados, encontramos fotografias de cartazes, letreiros, imagens e anúncios. Ícones em paisagens vazias, que não deixam dúvidas que o terreno foi colonizado e jaz sob o reino do capitalismo corporativo.
A Hollywood de Cronenberg, entre a cartografia e o bestiário
Cronenberg sempre se interessou pela anomalia, pela disfunção, pela doença, não tanto “como metáfora”, mas como fato essencial da vida contemporânea. Mapas para as estrelas transfere essa sua preocupação – para não dizer fascínio – ao coração da indústria do cinema. A Hollywood que surge nesse retrato cruel é um concentrado de distúrbios que interagem uns sobre os outros numa espiral quase apocalíptica.
O modernismo por Paulo Mendes de Almeida – quatro perguntas para Ana Luisa Martins
Intelectual militante das artes visuais, Paulo Mendes de Almeida (1905-1986) documentou os principais movimentos do modernismo em São Paulo nos artigos que reuniu em Da Anita ao museu, livro relançado agora, em edição fartamente ilustrada, por Ana Luisa Martins, filha do crítico Luís Martins, grande amiga de Paulo. Ela ressalta a importância histórica da obra e de seu autor.
Questão de classe
Downton Abbey, a série que retrata a vida da aristocracia inglesa no início do século passado, acaba de estrear na TV Cultura, e sua entrada na televisão brasileira tem muito a ensinar sobre uma das questões que atravessam a desigualdade brasileira: a divisão em classes. No Brasil de 2015, como na Inglaterra de 1910, o que entra em colapso quando se reconhece a centralidade da luta de classes é a própria ideia de que há um lugar destinado a cada um.
Alegorias da desesperança
Expresso do amanhã, longa do sul-coreano Bong Joon-Ho, recebeu uma aceitação crítica incomum para filmes de ação. Trata-se da adaptação cinematográfica de O perfuraneve, graphic novel francesa que criou a alegoria de um futuro distópico onde os sobreviventes de uma catástrofe climática habitam um trem em movimento perpétuo onde a sociedade se reconstrói com a mesma lógica capitalista.
O cinema visceral de John Cassavetes
Quatro filmes de John Cassavetes (1929-89), que frequentemente recebe a definição enganosa de “pai do cinema independente”, chegam em DVD ao Brasil e ajudam a conhecer melhor esse cinema fundado na liberdade e no risco. Quando se toma como parâmetro o cinema de ficção que hoje predomina, todo engessado por convenções narrativas, clichês sociais e psicológicos, os filmes de Cassavetes chocam por sua despudorada liberdade: liberdade temática, de construção, de mise-en-scène, de atuação.
Desmancha-prazeres
Está em cartaz no Jeu de Paume, em Paris, uma retrospectiva da fotógrafa americana Taryn Simon. Destaca-se uma série composta por retratos coloridos de pessoas que foram incriminadas e condenadas por engano, graças ao uso da fotografia como prova. Num mundo sobrecarregado de imagens e cada vez mais propenso à ambiguidade dos discursos, não faltam razões para desconfiar de tudo o que se faz passar por simples, direto, fácil e imediato.
