O poeta, prosador e ensaísta Victor Heringer nos deixou em 7 de março de 2018. Como pequena homenagem, o Blog do IMS convidou amigos, colegas e admiradores a concederem depoimentos curtos, aqui publicados na companhia de alguns de seus trabalhos.
A guerra no Rio que tem rosto de mulher
Contrariando o que escreveu a russa Svetlana Aleksiévitch, autora de A guerra não tem rosto de mulher, há no Rio de Janeiro uma guerra muito específica que tem o rosto das mulheres que recorreram ao serviço de saúde em situação de abortamento e acabaram presas. Se por um lado tivemos um governador capaz de afirmar que as mulheres pobres eram “fábrica de marginais”, por outro temos essas mesmas mulheres pobres, já constrangidas pela situação precária em que vivem, sendo denunciadas e presas quando recorrem, em situação de extrema vulnerabilidade física e emocional, à rede pública de saúde.
A crista da onda negra
Pantera negra é o primeiro (e possivelmente o último) filme de super-herói a ser comentado nesta coluna. A razão da discutível honra é simples: o filme de Ryan Coogler é desde já um marco na história de Hollywood e do cinema de entretenimento. Sobra também um espaço pequeno para falar de um artista imenso, Luchino Visconti.
Somos todos críticos
Por mais desagradável que seja, o feedback é inevitável: do filé improvisado à piada de boteco, tudo recebe um parecer. Mas muito pior que uma crítica negativa é a sua falta. Nenhuma ofensa é tão corrosiva quanto a indiferença e o esquecimento.
Terra estrangeira
Os indicados à categoria “Filme em língua estrangeira” do Oscar permanecem mais tempo em cartaz do que o normal em nosso circuito voraz. Pode ser interessante observar em conjunto os dois representantes do leste europeu: o russo Sem amor, de Andrey Zvyagintsev, e o húngaro Corpo e alma, de Ildikó Enyedi. Ambos são dramas urbanos contemporâneos, centrados em afetos esquivos, abortados ou insuficientes entre personagens de classe média, sem grandes carências materiais.
Amor,
Todo mês a seção Primeira vista traz textos de ficção inéditos, escritos a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. Neste mês de fevereiro, Antônio Xerxenesky foi convidado a escrever sobre uma foto de Henri Ballot tirada em Nova York em 1961, uma das imagens expostas em O caso Flávio.
O estatuto dos favelados cariocas
O Rio de Janeiro é o cenário perfeito para a construção de um discurso de ordem, aqui entendido como apelo de intervenção e proteção por um Estado forte exatamente onde hoje o governo é mais fraco, para a configuração de um estado de exceção que ganha apoio nas camadas médias como forma de proteção “contra tudo isso que está aí”.
O cinema contra a morte
Escapando do quase inevitável balcão de apostas dos “filmes do Oscar”, o crítico José Geraldo Couto dá atenção a uma obra singular de um diretor idem. Antes do fim, o mais recente longa-metragem do gaúcho criado e radicado em São Paulo Cristiano Burlan, faz com que a morte e a finitude debatida no dia a dia de um casal de idosos (Helena Ignez e Jean-Claude Bernardet) oscilem entre a solenidade e a descontração, a tragédia e a ironia derrisória.
Enterre seus mortos
Fazia tempo que eu não passava algumas horas por dia com o Edgar Wilson, personagem que está presente na maioria dos meus livros. Ele sempre volta e eu sempre o conheço um pouco melhor. Eu queria falar sobre homens e animais, assunto recorrente para mim. Mas dessa vez eles estão mortos e eu só poderia falar de algo assim seguindo os passos dele, de Edgar Wilson, porque ele ampara todo o meu assombro.
O mundo em duas horas
Três anúncios para um crime, de Martin McDonagh, é uma improvável mistura de comédia cruel de erros com parábola cristã de culpa e redenção, que oferece uma satisfação imediata e descartável. Acossado (foto), por sua vez, é toda uma outra conversa. Com quase seis décadas, o primeiro longa-metragem de Jean-Luc Godard, relançado agora nas telas brasileiras em cópia restaurada, mantém intactos encanto e frescor. É um dos três ou quatro filmes que qualquer pessoa civilizada precisa ver pelo menos uma vez na vida.