O mosaico de Carlos Sussekind – quatro perguntas a Heloisa Jahn

Quatro perguntas

16.06.11

Autor bissexto, o carioca Carlos Sussekind, de 78 anos – que tem na bibliografia livros consagrados como Armadilha para Lamartine e Ombros altos (ambos publicados pela Companhia das Letras) -, é também um desenhista de fino traço. Retratando um cotidiano de loucura e erotismo, seus desenhos produzidos desde a década de 1950 ajudam a compor um mosaico do como enxerga o mundo e o que ele busca na arte. Tanto literatura quanto desenhos são marcados pela experiência de internação psiquiátrica a que foi submetido na juventude.

A editora e tradutora Heloisa Jahn, amiga de Sussekind há mais de vinte anos, debruçou-se sobre a obra do artista e sobre ele escreveu um ensaio publicado na revista serrote #8. Sobre o artista e a sua obra, ela respondeu a quatro perguntas feitas pelo blog do IMS que seguem abaixo.

 

A senhora diz que a internação psiquiátrica de Carlos Sussekind assumiu um papel fundador na vida do escritor e desenhista. A cada recontagem da história a um curioso, a quem Sussekind não nega detalhes do ocorrido, não se cria uma nova ficção em torno do fato?

A internação de dois meses, quando Sussekind contava apenas 21 anos, seria um incidente pouco significativo na biografia do escritor se o próprio escritor não tivesse transformado o fato em ponto de partida para boa parte de sua produção literária – e para uma das vertentes de sua obra gráfica (a série Os psicólogos). Ao mesmo tempo, a narrativa da internação (em Armadilha para Lamartine, segunda obra de Carlos Sussekind) foi utilizada como recurso literário para entrar nos diários (reais) de Carlos Sussekind pai e expor seus comentários sobre o filho. É, aliás, na fronteira entre o que está nos diários do pai e o que o filho comenta sobre eles que se situa quase toda a obra ficcional de Sussekind.

Os desenhos de Sussekind são necessariamente uma extensão da sua literatura?

Carlos Sussekind põe ordem no mundo narrando-o. Escreve e desenha paralelamente, como se fossem duas escritas, e as linhas narrativas da prosa e do desenho parecem misturar-se. Vê-se isso claramente na novela Ombros altos (aliás um texto maravilhoso que permanece bastante desconhecido do público). O livro conta a história de uma campanha de sedução: na tentativa de vencer a resistência da moça por quem estava apaixonado, o escritor bombardeia-a com cartas acompanhadas de desenhos em que aparece a moça de ar petulante, narizinho empinado e vestido florido. Enquanto isso, para si mesmo, ele vai criando uma série privada em que a mesma moça é representada nua e duplicada, com as imagens gêmeas entregues a um jogo erótico ao mesmo tempo suave e ousado. A história da paixão e do fracasso da conquista está contada em palavras, na novelinha simpática, e nos desenhos que se desdobram numa série pública, que buscava a sedução, e noutra privada, que já admitia a derrota ao funcionar como uma espécie de vingança.

 

Há no traço e no processo criativo do desenhista puramente instinto ou ele se acerca de formação intelectual sobre a sua arte?

Ao desenhar a moça de Ombros altos – tanto na série vestida como na das gêmeas nuas (que denominou Amorous sisters), Sussekind tem um traço leve e limpo, despreocupado; nas séries Do escritório e Psicólogos, o desenho é sinuoso, carregado de detalhes, a cena parece mover-se em ondulações, e o efeito é de tensão, reforçada por um registro quase humorístico. Na série da Máquina de escrever, em que letras datilografadas se transformam num passe de mágica em flautistas e violinistas, a técnica é bem diferente, assim como na série Manchas, realizada a partir de manchas aleatórias criadas pela mistura de nanquim com água sobre papel borrão. O recurso a vários processos criativos mostra nuances de um movimento de abordagem da realidade – também presente na escrita ficcional. É isso, sobretudo, que o artista busca, sem preocupar-se em desenvolver uma linguagem ou uma formação artística.

Em uma realidade até saturada de erotismo, Sussekind guarda consigo uma de suas séries mais interessantes, a Amorous sisters, que diz ser “altamente imoral”. A que a senhora atribui a reserva dele em relação a esses desenhos?

A época em que as Amorous sisters foram criadas – na década de 50 – não via com naturalidade a figuração de corpos nus, sobretudo de duas mulheres entregues a jogos eróticos, sobretudo quando a protagonista dos desenhos era uma jovem de família da sociedade carioca. Não surpreende que o artista percebesse seu trabalho como a infração de um tabu.

, , , , , , ,