Paraty é uma festa – quatro perguntas a Miguel Conde

Quatro perguntas

22.06.12

O jornalista Miguel Conde, editor assistente do caderno Prosa & Verso do jornal O Globo, foi convidado para assumir a curadoria da Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP, que chega à sua décima edição. Conde respondeu a quatro perguntas do Blog do IMS acerca de seu trabalho na organização do evento.

1) O que podemos esperar de diferente nesta FLIP?


Embora esta Flip tenha algumas novidades de formato, que vou mencionar a seguir, acho que a diferença fundamental entre uma e outra edição de qualquer festival de cultura está no conjunto de autores e questões que ela procura destacar dentro de um campo determinado de produção artística e intelectual. A melhor maneira de responder a pergunta seria, por isso, simplesmente reproduzir aqui a lista de autores e mesas desta Flip, o que no entanto pareceria um gesto antipático ou preguiçoso. Para destacar então um ponto específico, que no entanto não esgota o conjunto da programação, diria que esta edição se contrapõe a uma ideia já meio gasta, mas talvez ainda vigente, sobre a literatura atual – a de que ela seria excessivamente voltada sobre si mesma, e com isso perderia de visto as questões mais fundamentais do próprio tempo. Seu pecado, paradoxalmente, seria o de ser literária em excesso. Lendo os autores que vão estar em Paraty este ano, a impressão que se tem é outra. O que se percebe nos livros de muitos deles é que o ímpeto criativo se combina a um esforço de pensamento sobre o mundo, que inclui com frequência uma aproximação da ficção ou da poesia de outros tipos de discurso, como o histórico ou o autobiográfico. Mesmo aqueles que tematizam reiteradamente a própria escrita, e mobilizam em suas narrativas sobretudo um imaginário da vida entre os livros, não fazem isso para determinar algo como uma essência do literário. Pelo contrário, esse esforço reflexivo resulta mais numa abertura do que num ensimesmamento, como se pode ver por exemplo pela maneira como a narração ficcional deriva para o ensaísmo nos livros de um escritor como Vila-Matas, para ficar no caso mais óbvio.

 

Quanto às diferenças de formato, acho que a principal delas é que a homenagem a Drummond será levada a todas as mesas da programação. Antes de cada debate, será lido um poema de Drummond, por um dos escritores convidados ou em áudio do próprio poeta nas gravações que ele fez para o disco “Antologia poética”, produzido em 1978 por Susana de Moraes. Além disso, a programação da Casa da Cultura inclui este ano vários escritores que estarão ou já estiveram na Tenda dos Autores, falando em mesas com delimitações mais específicas de tema.

2) Quais as dificuldades que surgem em assumir a curadoria de um festival que já está na 10ª edição e se tornou o evento mais importante de literatura no país?

É mais justo falar em facilidades do que em dificuldades. A importância que a festa assumiu e, principalmente, a relação de convidados que já passaram por lá nas nove edições anteriores ajudam muito na hora de fazer os convites, é claro.

3) Há algum nome que você gostaria muito que participasse do festival e que ainda não participou?

Sim, muitos, dos aparentemente impossíveis aos altamente improváveis, até outros que provavelmente estarão em Paraty nos próximos anos. Prefiro não citar nomes e deixar aqui o leitor bolar sua lista pessoal de nomes a convidar.

4) A cena literária brasileira é frequentemente acusada de ser dominada por compadrio e egos inflamados. Quais as dificuldades específicas que surgem na hora de escolher os nomes que representarão a literatura nacional na FLIP?

Não há dificuldades específicas, embora naturalmente ser convidado para participar da Flip possa ser algo mais importante para um escritor brasileiro do que para um autor de outro país. Se algo distingue a cena literária brasileira de outras, não é o tamanho do ego de seus integrantes, mas o contexto específico que a constitui – o conjunto de seus espaços e práticas de produção, circulação e discussão de textos literários. A atenção recebida pela Flip é algo de fora do comum, quando se pensa em outros festivais literários internacionais ou mesmo na importância habitualmente atribuída à literatura em nosso país. Isso pode ter um efeito positivo de valorização da escrita e da leitura, mas também pode produzir uma expectativa desmedida em torno dos convites que são feitos. A multiplicação de festivais literários é importante, nesse sentido, porque contribui para distribuir de maneira menos episódica essa atenção, e terá tanto mais valor quanto mais puder aproximar-se da construção de uma rede de espaços públicos de discussão e avaliação da produção contemporânea, e não simplesmente de divulgação deste ou daquele autor.

, , , ,