O que as retrospectivas não mostram

2018 termina carimbado como o ano das fake news, todavia sem prejuízo para a divulgação concorrente de fatos irrelevantes, uma tradição que nasceu e vem crescendo junto com a internet. Desde a virada do século coleciono esse tipo de informação desnecessária, cuja retrospectiva a cada virada de ano dá uma boa ideia da insignificância dos acontecimentos nos tempos que vivemos.

Gol de Portugal

Alguns diretores portugueses, com seus filmes estranhos e inclassificáveis, são de uma originalidade desconcertante. Mesmo sem atingir esse patamar estético, o divertido Diamantino se insere nesse contexto de ousadias e estranhezas.

A uberização da vida

Aos poucos passamos a mediar afetos e a gerir a vida cotidiana a partir de aplicativos. Era para ser antissistema, e em muito pouco tempo virou o grande sistema. Combinamos geolocalização com uberização – só possível graças ao funcionamento de sistemas muito complexos – e com a estranha difusão da ideia de que a cada adesão a um novo sistema estamos agindo contra um sistema.

Cristo vive nas telas

Feliz como Lázaro é o que se poderia chamar de uma parábola cristã contemporânea. O filme de Alice Rohrwacher, em cartaz na Netflix sem ter passado pelo circuito exibidor, conta a história de um rapaz e do povo de sua aldeia, que tem o sugestivo nome Inviolata e fica numa Itália profunda, perdida no tempo.

Sobre as ruínas do museu

Muito ao contrário de aquilatar certezas, os melhores museus hoje cortejam ativamente o questionamento e a contestação. Antes queridos dos mais tradicionalistas, viraram alvo de fúrias conservadoras. Se o mofo foi espanado no plano das ideias, o mesmo não pode ser dito sobre a realidade cotidiana dos museus no Brasil. Com honrosas exceções, continuamos a nos debater com poeira, cupins, goteiras, roubos e incêndios.

Teatro dilacerado

Quis o acaso que entrassem em cartaz ao mesmo tempo dois filmes inspirados em peças que marcaram época no teatro brasileiro: O beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues, e Rasga coração, de Oduvaldo Vianna Filho. Outra estreia importante é o longa gaúcho Tinta bruta, premiado no Festival de Berlim e no Festival do Rio.

Cuidado: frágil

Diante de um massacre como o de Utøya, na Noruega, em que 77 jovens foram mortos em 2011 por um atirador ensandecido, o cinema tem várias opções. Utøya 22 de julho: terrorismo na Noruega, de Erik Poppe, escolhe ver a tragédia como que pelas bordas, de modo oblíquo.

O alvorecer do fascismo

Boa parte da literatura sobre a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini mostra que o passado recente muitas vezes nos espera na próxima esquina, feito de gritaria e selvageria. É possível seguir o fio dessa meada em direção ao futuro e perceber em relatos, diários e memórias como é viver a transformação da ideia original na prática do fascismo.

A hora do pesadelo

Antes de falar do documentário Excelentíssimos, de Douglas Duarte, cabe observar uma curiosa e improvável confluência, na produção cinematográfica brasileira recente, entre dois gêneros aparentemente disparatados: o documentário político e o filme de horror.