Houve uma época em que a expressão serial killer não queria dizer nada e não passaria pela cabeça de ninguém criar uma série de tevê sobre assassinos. Em 1995 a abordagem niilista – e noir, gótica, existencial – do filme Seven, de David Fincher, recriou o gênero. 22 anos depois, os assassinatos em série já foram explorados sem limites, inclusive com canais dedicados a exibir reconstituições de crimes reais. Neste cenário saturado, o que ainda restaria a ser contado sobre serial killers? A série Mindhunter, do mesmo David Fincher para a Netflix, tenta uma resposta.
Cinema de corpo e alma
Em destaque, dois novos filmes brasileiros – Lamparina da aurora, de Frederico Machado, uma imersão sem freios no estranho universo poético do diretor, e Antes o tempo não acabava, de Sérgio Andrade e Fábio Baldo, realizado em Manaus e centrado na trajetória de um jovem índio aculturado – e a mostra do francês Jean-Pierre Melville no IMS.
Nunca mais outra vez noutra sombra
Sempre que escrevo um livro deixo título provisório na gaveta do criado-mudo: sei que mais cedo, mais tarde, aparece o título definitivo. Foi o que aconteceu dois meses atrás quando atravessava uma rua de São Paulo. Calor infernal. Fico ao lado de poste cuja sombra tinha meio metro, mais ou menos. De repente, moça-morena-bonita pega carona nela, minha sombra. Ela percebe a invasão. Sorri. Sinal abre. Ela atravessa a rua correndo. Eu fico. Abro minha sacola de pano, pego papel, caneta e anoto: Nunca mais outra vez noutra sombra.
Rio de sangue
Não devore meu coração, de Felipe Bragança, é um filme desconcertante. Sua originalidade começa na ambientação geográfica e se estende ao roteiro e à construção formal. É faroeste, filme de gangue de moto, romance de formação, fábula política, história de amor, alegoria histórica, tudo misturado. Outro filme belo e estranho, mas numa direção diferente, é o português Colo, de Teresa Villaverde. Os assuntos são deprimentes, mas o frescor e o vigor com que a diretora os plasma em cinema são animadores.
Feminismo radical, justiças históricas e injustiças particulares
Não me parece coincidência que a corrente das feministas radicais esteja fazendo tanto barulho no Brasil desde 2013, principalmente nas redes sociais. Até então, tínhamos uma tradição de associar movimentos feministas com lutas progressistas por justiça social, em que pese as valiosas críticas do predomínio do feminismo liberal branco entre nós. Hoje enfrentamos uma onda neoconservadora contra a liberdade, fundamentada na articulação entre leis e mercado, num estado securitário e autoritário e no pânico moral muitas vezes mobilizado pelas radfems.
A política do corpo
No momento em que o Congresso brasileiro ameaça criminalizar todas as formas de aborto, inclusive em casos de estupro ou de ameaça à vida da gestante, poucos filmes serão tão atuais e pertinentes quanto Invisível, do argentino Pablo Giorgelli. Mas não é só por isso que ele merece ser visto.
Antes que cheguem os homens
A seção Primeira Vista publica todo mês textos de ficção inéditos, escritos a partir de fotografias selecionadas no acervo do Instituto Moreira Salles. O autor escreve sem ter informação nenhuma sobre a imagem, contando apenas com o estímulo visual. Neste novembro, Adriana Armony foi convidada a escrever sobre uma foto de Juan Gutierrez.
O inferno é aqui
Passemos ao largo do fogo cerrado a que Vazante, de Daniela Thomas, foi submetido no último Festival de Brasília. Algumas acusações lançadas ali são tão descabidas que não mereceriam comentário. O problema é que as chagas da nossa formação como país são tão profundas que qualquer filme será insuficiente para aplacar as dores acumuladas ao longo dos séculos. Talvez algumas cobranças, por mais legítimas que sejam, só pudessem ser satisfeitas por uma obra programática, que mostrasse negros heroicos e virtuosos batendo-se contra o dragão da maldade do poder branco. Mas uma tal obra teria escassa eficácia política, esgotando-se na catarse, e valor estético nulo.
Declínio e queda do esprit d’escalier
No Zeitgeist de uma era marcada por elevadores e conexão ilimitada não existe espaço para o esprit d’escalier. Assim como nos é possível enviar a resposta a qualquer hora do dia, podemos adiá-la conforme nossa conveniência. E tendo sido burilada com tanto esmero, ninguém guarda para si a sentença ferina. Quando alguém percebe que disse uma besteira, sua reação seria se envergonhar, certo? Não quando encontra quem a endosse.
O futuro é mulher
A moça do calendário, de Helena Ignez, é um dos filmes mais vigorosos da Mostra de Cinema de SP. O protagonista é o “mecânico e dublê de dançarino” Inácio. Tudo acontece em torno de suas relações com a mulher, com os colegas de trabalho, com o dono da oficina, com seus “bicos” como ator, com o sonho de encontrar a tentadora “moça do calendário.
